Mandado de Segurança: Proteção contra Abuso e Ilegalidade

Jorge Bezerra
mandado de segurança: proteção contra abuso e ilegalidade

Muitas vezes o agente público pratica atos com abuso de poder ou ilegalidade. Esses atos – mais frequentes do que você imagina – podem prejudicar direitos do cidadão ou mesmo de pessoa jurídica que dependa de alguma atividade administrativa.

Para proteger a sociedade contra o abuso de poder ou ilegalidade praticada por agentes da administração pública, a ordem jurídica previu o mandado de segurança.

O mandado de segurança é ação constitucional estabelecida no art. 5º, LXIX, da Carta Política, nos seguintes termos:

conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público; (CF, Art. 5º, LXIX)

Conceito

“Mandado de segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça” (Hely Lopes Meireiles).

Conforme consta do art. 1º da Lei nº 12.016/2009, o mandato de segurança destina-se a “proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”.

Natureza Jurídica do Mandado de Segurança

“É ação civil de rito sumário especial, destinada a afastar ofensa a direito subjetivo individual ou coletivo, privado ou público, através de ordem corretiva ou impeditiva da ilegalidade, ordem esta a ser cumprida especificamente pela autoridade coatora, em atendimento da notificação judicial” (Meirelles).

Trata-se, pois, de ação especial de cunho constitucional, destinada a tutela de direitos individuais ou coletivos que se revistam de liquidez e certeza, tolhidos em face de ato ilegal ou abusivo praticado por autoridade pública (ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público).

Objeto da Ação do Mandado de Segurança

O objeto do mandado de segurança é o ato de autoridade (comissivo ou omissivo) praticado com ilegalidade ou abuso de poder e que venha lesar direito líquido e certo do impetrante.

Direito líquido e certo é aquele que pode ser deduzido pela autoridade judicial a partir das provas juntadas com a inicial, mostrando-se incontroverso, sem a necessidade de dilação probatória.

Ilegalidade é inobservância da lei. É a desconformidade ou inadequação entre o ato praticado pela autoridade e a prescrição contida na lei.

O abuso de poder ocorre quando a autoridade realiza o ato com finalidade diversa daquela prevista em lei (desvio de finalidade ou desvio de poder) ou quando a autoridade ultrapassa os limites de sua competência, indo além de suas atribuições legais (excesso de poder).

Legitimidade para propor o Mandado de Segurança

A legitimidade ativa para a propositura do mandado de segurança cabe ao titular do direito violado, denominado impetrante. A ação é de cunho personalíssimo, sendo inadmitida até mesmo a habilitação de herdeiros no caso de morte do impetrante.

Para Paulo Hamilton Siqueira Jr. “A legitimidade passiva (impetrado) é sempre a autoridade coatora, ou seja, a autoridade pública ou o agente que exerce atividade do Poder Público, e não a pessoa jurídica ou órgão”. Da mesma opinião é Hely Lopes Meirelles, para quem “Considera-se autoridade coatora a pessoa que ordena ou omite a prática do ato impugnado e não o superior que recomenda e baixa as normas para sua execução” (Meirelles). A pessoa jurídica ou órgão público não integra a relação processual.

1. Divergência doutrinária

Todavia, Celso Agrícola Barbi apresenta posição, a nosso ver mais consentânea com o instrumento processual em estudo. Comentando sobre as divergências doutrinárias, este autor afirma:

Para Sebastião de Sousa, Lopes da Costa, Ari Florêncio Guimarães e Hamilton Moraes e Barros, parte passiva no mandado de segurança é a autoridade coatora. Acrescenta o primeiro que a pessoa jurídica de direito público é litisconsorte necessário. Para o segundo, se a decisão vai repercutir no patrimônio da pessoa de direito público, será caso de intervenção litisconsorcial [...].
[...]
Seabra Fagundes, Temístocles Cavalcanti e Castro Nunes sustentam que a parte passiva é a pessoa jurídica de direito público.
[...] Não nos parece sustentável a posição de Sebastião de Sousa, Lopes da Costa, Ari Florêncio Guimarães e Hamilton Montes e Barros, hoje prestigiada também com a adesão de Hely Lopes Meirelles e do Des. Bulhões de Carvalho, apesar do acatamento que temos pela lição desses mestres.
Nosso ordenamento processual atribui a capacidade de ser parte apenas às pessoas naturais e jurídicas, à herança, à massa falida, à massa do devedor civil insolvente, à sociedade de fato e ao condomínio de imóvel dividido em salas e apartamentos.
O ato que a autoridade coatora pratica no exercício de suas funções, vincula a pessoa jurídica de direito público a cujos quadros ela pertence; é ato do ente público e não do funcionário. Assim, o ato do secretário de Estado que demite um funcionário produz efeitos nas relações jurídicas entre o funcionário e o Estado, e não entre aquele e o secretário, da mesma forma, o ato de um diretor de sociedade privada vincula a sociedade e não o diretor, uma vez que foi praticado naquela qualidade, e não na de particular.
[...]
A nosso ver, a razão está com Seabra Fagundes, Castro Nunes e Temístocles Cavalcanti, a parte passiva no mandado de segurança é a pessoa jurídica de direito público a cujos quadros pertence a autoridade apontada como coatora. Como já vimos anteriormente, o ato do funcionário é ato da entidade pública a que ele se subordina. Seus efeitos se operam em relação à pessoa jurídica de direito público. E, por lei, só esta tem “capacidade de ser parte” do nosso direito processual civil. (Do Mandado de Segurança, pp. 122/123 e 125)

2. A quem dirigir o Mandado de Segurança

Em todo caso, o mandado de segurança deve ser dirigido à pessoa que tenha “competência para corrigir a ilegalidade impugnada” (RT 321/141).

Incabível a segurança em face de pessoa jurídica que não seja prestadora de serviço público.

Por agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público há que se entender aquele que exerce função em pessoa jurídica prestadora de serviços públicos (sob regime de concessão ou permissão – CF, Art. 175). Devem ser considerados serviços públicos, dentre outros, os seguintes previstos na Constituição: organismos regionais (art. 43), saúde (art. 197), educação (art. 208), desporto (art. 217), radiodifusão (art. 223) e notariais e de registro (art. 236) (Hamilton).

3. Mandado de Segurança contra atos do Poder Legislativo

Como regra, é incabível a segurança contra atos normativos do Poder Legislativo, uma vez que “não cabe mandado de segurança contra lei em tese” (Súmula 266 do STF).

Todavia, é ilustrativa a posição de José da Silva Pacheco: “Doutrinariamente, pois, admite-se, hoje em dia, o mandado de segurança em relação ao Poder Legislativo, quando:

  1. haja ato administrativo de autoridade legislativa, violador de direito, como no caso de a mesa praticar atos ilegais e prejudiciais;
  2. haja violação de direitos por lei meramente formal, equiparada, para todos os efeitos, a atos administrativos do órgão legislativo;
  3. haja infração de direitos por lei auto-executável ou proibitiva, independentemente de ato ulterior;
  4. haja violação de direito por lei absolutamente inconstitucional, quando o seu objeto não é decretar a inconstitucionalidade da lei em tese, mas deixar de aplicá-la ao caso concreto por contrária à Constituição”. (O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas, p. 185).

Procedimento do Mandado de Segurança

O procedimento do mandado de segurança é disciplinado pela Lei nº 12.016/2009.

1. Petição Inicial

A petição inicial, que deverá preencher os requisitos dos artigos 319 e 320 do Código do Processo Civil, será apresentada em duas vias e os documentos, que instruírem a primeira, deverão ser reproduzidos, por cópia, na segunda.

Caso o documento que prova o alegado se ache em repartição pública o juiz ordenará, por oficio, a exibição desse em original ou em cópia autêntica e marcará para cumprimento da ordem o prazo de dez dias. Se for a própria coatora, a ordem far-se-á no próprio instrumento da notificação. O escrivão extrairá cópias do documento para juntá-las à segunda via da petição.

2. Despacho do Juiz

Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: i) que se notifique o coator do conteúdo da petição entregando-lhe a segunda via apresentada pelo requerente com as cópias dos documentos a fim de que no prazo de dez dias preste as informações que achar necessárias; ou ii) que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida.

Ordenará ainda o juiz que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito.

A inicial será desde logo indeferida quando não for caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos da lei.

Do despacho de indeferimento caberá apelação.

3. Decisão em caráter liminar

O juiz de primeiro grau poderá conceder ou negar a liminar solicitada em mandado de segurança. Desta decisão caberá agravo de instrumento.

No entanto, é vedada a concessão de medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.

Os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistirão até a prolação da sentença.

Deferida a medida liminar, o processo terá prioridade para julgamento.

Nesse caso, a autoridade administrativa, no prazo de 48 horas da notificação da liminar, remeterá cópia do mandado notificatório ao órgão a que se acha subordinada e ao órgão de representação judicial (advocacia-Geral da União ou Procuradoria do Estado ou do Município, etc.) juntamente com outros elementos necessários para a eventual suspensão da medida e defesa do ato.

4. Decisão de Mérito

Após o prazo de 10 dias e ouvido o representante do Ministério Público, também em 10 dias, os autos serão conclusos ao juiz, para a decisão de mérito, a qual deverá ser proferida em 30 dias, tenham sido ou não prestadas as informações pela autoridade coatora e independentemente da manifestação do Ministério Público.

Julgado procedente o pedido, o juiz transmitirá em ofício, por intermédio de oficial, ou pelo correio, com aviso de recebimento, o inteiro teor da sentença à autoridade coatora.

Da sentença, negando ou concedendo o mandado cabe apelação.

A sentença, que conceder o mandado, fica sujeita ao duplo grau de jurisdição, podendo, entretanto, ser executada provisoriamente.

Efeitos da decisão em Mandado de Segurança

A execução da sentença concessiva de mandado de segurança é imediata, não havendo a necessidade de nova ação (executiva), bastando que se remeta à autoridade coatora a notificação (no caso de liminar) ou o ofício (no caso de concessão da segurança).

Segundo Goldschmidt (apud Celso Agrícola Barbi), “a sentença mandamental contém: a) declaração da existência do direito ajuizado; b) uma ordem ou mandamento, dirigido a uma autoridade, que tanto pode ser os órgãos da execução, como outras autoridades, como o oficial de Registro Imobiliário, juiz do Registro de Comércio etc.”.

Em síntese, a sentença concessiva do mandado de segurança reconhece o direito do impetrado e contém uma ordem (mandamento) dirigida à autoridade para que faça cumpri-lo.

Referências

SIQUEIRA JR, Paulo Hamilton. Direito Processual Constitucional. São Paulo: Saraiva
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data. São Paulo: Revista Dos Tribunais
WALD, Arnoldo. Do Mandado de Segurança na Prática Judiciária. Rio de Janeiro: Forense
BARBI, Celso Agrícola. Do Mandado de Segurança. Rio de Janeiro: Forense.
PACHECO,Jose da Silva. O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas. São Paulo: Revista dos Tribunais

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